O
caminho que um artista ou dupla precisa enfrentar para chegar ao posto
de “mais respeitado do mercado” é meio sinuoso. Nessa estrada
esburacada, muitas vezes o artista acha que é necessário apenas tocar em
rádio à exaustão. Ou que basta estourar uma música, quase sempre
garimpada em meio às canções mais clichês possíveis. “Se a onda é arrocha, vou estourar com um arrocha“, “se o negócio é falar de carro, acho que é esse o caminho“,
ou coisas do gênero. O que a maioria nunca parece entender é que esse
posto é alcançado através de uma união de vários elementos. Raríssimos
são os exemplos de artistas que conseguem juntar todos esses elementos e
alcançar o tal posto que eu falei ali no começo. O exemplo atual que
temos mais evidente desse tipo de artista é, sem dúvida, Jorge &
Mateus.
Jorge & Mateus não têm a música
número 1 nas paradas das rádios, segundo o tal índice Crowley que tanta
gente defende como se fosse a mais absoluta evidência de sucesso. Na
verdade eles quase não costumam aparecer na lista de canções mais
tocadas. Mas estão há uns 5 anos ou mais no topo do ranking de shows.
Nestes 5 anos ou mais, Jorge & Mateus parecem não ter enfrentado um
único período sequer de “barriga”, de escassez de shows, ou de fracasso
em bilheteria, coisa que qualquer artista costuma enfrentar. E mesmo
mantendo essa política de priorizar eventos ao invés de rádio, o sucesso
que eles alcançam em shows faz com que a maioria das rádios, que
costumam ser parceiras na maioria dos eventos, ame esses caras. Ou pelo
menos ame puxar o saco deles e de seu escritório.
Ano após ano, Jorge & Mateus
melhoraram sua qualidade. Tanto no aspecto vocal, quanto no repertório e
nas harmonias de suas músicas. Quando, na ocasião do lançamento do “Aí
Já era”, eles apostaram pela primeira vez num repertório 100% inédito e
em um novo produtor, muita gente torceu o nariz e duvidou que aquilo
fosse representar uma evolução. Hoje, dois anos depois, é impossível
dizer que aquilo não foi uma melhora. Eles ousaram evoluir. Enquanto
muita gente defende que um artista deva permanecer numa mesmíssima linha
por anos e anos a fio, sem entender que o mundo evolui, que o gosto do
público se modifica e que o artista precisa, de uma forma ou de outra,
demonstrar algum tipo de melhora, Jorge & Mateus preferiram mudar.
Eles nem precisavam, afinal já estavam indo muitíssimo bem, obrigado.
Mesmo assim quiseram.
Nesse meio tempo, uma frase se tornou
verdade absoluta: o sertanejo se tornou o novo pop. E Jorge & Mateus
acabam sendo também a melhor personificação dessa frase. Dos
tradicionais “sertanejos” e “universitários”, Jorge & Mateus
migraram de vez com o “Aí Já era” para o lado mais acentuadamente “pop”
do segmento, o que se confirmou ainda mais com o novo DVD, gravado em
Jurerê, Florianópolis, em março deste ano. A originalidade dos timbres
de guitarra aplicados no disco, junto com uma pegada totalmente gringa
no som aplicado, mais um cuidado excepcional na escolha das músicas,
sempre priorizando letras inteligentes e que fogem da mesmice, colocam
Jorge & Mateus num patamar superior ao restante dos artistas. É
inegável que a dupla está à frente de qualquer outro artista sertanejo
da atualidade. Chorem e reclamem o quanto quiserem, mas essa é a
verdade.
Este novo DVD apenas cumpre o papel de
consolidar essa verdade. Gravado numa das praias mais de “playboy” do
Brasil, o disco começa com uma música que mais parece ter saído de algum
disco de banda de rock inglesa, com a bateria tocada quase que apenas
no bumbo durante toda a música, juntando um ou outro detalhe de tons e
caixa, esta mixada com o máximo de efeito possível, dando realmente
aquela impressão de harmonia crescente que condiz com o começo de um
disco.
Daí pra frente, um repertório bem
dividido, eclético, que vai dos exageros de romantismo de canções como
“Duas metades” até o tradicionalismo de canções como “Passa esse modão”,
passando por explosões pop como “Prisão sem Grade”, na minha opinião a
música mais incrível já gravada por Jorge & Mateus. É bom ressaltar
algumas das características das canções que eu enxergo como destaques do
disco, além de “A hora é agora” e na ordem da playlist.
“Enquanto houver razões”, do Maurício
Mello, chama a atenção por ser talvez a mais fácil de trabalhar de todas
as músicas do repertório, já que valoriza elementos aos quais o público
já está acostumado. Ao invés de puxar para um lado mais pop, ela
destaca o acordeon no arranjo e encerra com o refrão em arrocha. “Flor”,
do Zé Henrique com o Renato Barros, é provavelmente a vaneira mais
ousada do ano, já que começa numa pegada diferente e totalmente
original, passando para a vaneira tradicional meeesmo só no refrão.
“O que é que tem”, do Jorge, é a que tem
tido a mais imediata aceitação junto ao público, principalmente, creio
eu, por conta do papo direto da letra. Levando em contra as letras desta
música e de “Duas Metades”, além das várias outras escritas pelo Jorge e
lançadas em repertórios recentes de outros artistas, é fácil
compreender a qualidade do Jorge como compositor, talvez um dos
melhores, apesar de compôr em pouca quantidade, se comparado a nomes
fortes do segmento.
“A gente nem ficou”, do George Henrique,
e “Invasões”, da Maiara com o Nivardo Paz, chamam a atenção
principalmente pelo romantismo das letras. Mas, como ressaltei acima, a
minha favorita não só deste mas como de todos os discos que a dupla já
lançou, é mesmo a fantástica “Prisão sem Grade”, da Maraísa e do
Nivardo. Além do timbre incrível da guitarra, ela mistura um arranjo
feito através de uma vocalização do Jorge com um acordeon que
teoricamente nem deveria estar ali, já que a guitarra é que comanda a
música, mas que deixa a sonoridade dela ainda mais acachapante.
Se é que o repertório tem algum tipo de
defeito e o mesmo precise ser apontado, talvez a falha na interpretação
da música “Diga sim” seja o mais evidente. É que a voz do Jorge ficou
atrasada no primeiro refrão, o que pode chamar a atenção dos mais
observadores.
O DVD foi concebido para começar a ser
gravado à tarde e terminar à noite, para aproveitar a beleza natural das
praias da região. O problema é que o dia estava meio fechado, então as
músicas gravadas enquanto ainda era dia ficaram, no DVD, com um aspecto
mais “dark” do que deveriam. Funcionou bem para “Prisão sem Grade” e “A
Hora é agora”, mas não tão bem para “Flor”, “Enquanto houver razões” e
“Onda”, que pediam uma atmosfera visual um pouco mais alegre.
Um outro problema que eu percebi no
visual das músicas da parte “dia” do DVD foi o pouquíssimo destaque do
cenário durante esse período. Além do palco sem teto, o cenário era
formado por algumas estruturas em forma de “+”, que eram iluminados por
canhões de luz colocados em duas torres, uma à esquerda e uma à direita.
Acontece que, na parte do dia, a iluminação quase não aparece, o que
deixa o cenário com um aspecto meio sem graça. À noite, entretanto, o
visual é outro. Com o palco devidamente iluminado, até a qualidade do
vídeo parece melhorar. Talvez se um outro tipo de câmera tivesse tivesse
sido utilizado, como a Red, por exemplo, o vídeo poderia fazer um pouco
mais jus à qualidade musical do disco.
Depois do unânime “Aí Já Era”, que botou
uma pá de cal nas esperanças daqueles que achavam que Jorge &
Mateus deixariam a peteca cair por conta de decisões questionáveis, este
DVD “A hora é agora” consolida a dupla como a principal do mercado e
ainda abre larga vantagem para o segundo colocado. Aparentemente, este
disco também começa a fechar essa fase da dupla, que será devidamente
encerrada com o DVD gravado ao vivo em Londres, que resume a carreira da
dupla e deve ser lançado nos primeiros meses de 2013. Uma carreira de
altos e, er, altos, que ainda não experimentou nenhuma vez o gosto
amargo da palavra fracasso. Tudo isso devido à sensatez e maturidade com
que as coisas são conduzidas pelo menos no lado musical da dupla. Não
estou falando de escritório nem nada, afinal esse debate, com direito a
declarações até do próprio Jorge, já deu o que tinha que dar em 2012.
O olho gordo continua forte em cima
deles. Basta seguir evoluindo, modificando-se, aperfeiçoando-se. Jorge
& Mateus são a prova mais do que definitiva de que, num mercado
altamente competitivo, quem evolui continua no mesmo nível de sucesso ou
o vê crescer, e quem permanece no mesmo patamar de qualidade ou involui
simplesmente perde espaço. Depois do “Live in London”, que já está
gravado e ainda vai ser lançado só no ano que vem, é que o mercado vai
precisar se preocupar de novo com o tipo de decisão que a dupla vai
tomar. Bota aí uns dois anos ainda até que as coisas possam, talvez,
mudar pro lado da dupla. Isso se as decisões que serão tomadas forem as
erradas, o que eu acho bem difícil de acontecer.
Nota: 10
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